sexta-feira, 29 de abril de 2011

Porque será...

Foto de cata-vento ( Algar Seco - Carvoeiro- Algarve)




Porque será que meus olhos tanto necessitam

de ver mar ao longe?

Ou pelo menos a água

de um rio

para aí cheirar a sua raiz


Se calhar foi por tanto apetecer o azul

da água ao longe

que meus olhos são claros

que meus desgostos

se tornaram destemidos e salgados

e têm

o voo a pique das gaivotas

e o grito ácido

dos pássaros marinhos




Teresa Rita Lopes

( Faro 1937)

Afectos

Lisboa, Presença, 2000

segunda-feira, 25 de abril de 2011

sábado, 23 de abril de 2011

Mar Português





Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu"


Fernando Pessoa

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mar

Imagem do Google
Não cabes no teu nome, búzio aberto,
E transbordas em ondas,
Espumoso como um vinho singular,
Salgado e azul,
Só bebido por náufragos
E nascituros.
Da terra, a olhar-te,
Embebedam-se os olhos
Dos poetas
Mas excedes também os versos do seu canto.
Oceano, oceano, oceano,
Grita do céu uma gaivota inquieta.
Desamparada, a asa do finito
Mede, aterrada, as léguas de infinito...

Miguel Torga, “Mar”, in Diário IX

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ode ao mar




Água, sal e vontade — a vida!
Azul — a cor do céu e da inocência.
Um lenço a colorir a despedida
Da galera da ausência...

Mar tenebroso!
Mar fechado e rugoso
Sobre um casto jardim adormecido!
Mar de medusas que ninguém semeia,
Criadas com mistério e com areia,
Perfeitas de beleza e de sentido!

Vem a sede da terra e não se acalma!
Vem a força do mundo e não te doma!
Impenitente e funda, a tua alma
Guarda-se no cristal duma redoma.

Guarda-se purificada em leve espuma,
Renda da sua túnica de linho.
Guarda-se aberta em sol, sagrada em bruma,
Sem amor, sem ternura e sem caminho.

O navio do sonho foi ao fundo,
E o capitão, despido, jaz ao leme,
Branco nos ossos descarnados;
Uma alga no peito, a flor do mundo,
Uma fibra de amor que vive e treme
De ouvir segredos vãos, petrificados.

Uma ilusão enfuna e enxuga a vela,
Uma desilusão a rasga e molha;
Morta a magia que pintava a tela,
O mesmo olhar de há pouco já não olha.

Na órbita vazia um cego ouriço
Pica o silêncio leve que perpassa...
Pica o novo feitiço
Que nasce do final de uma desgraça.

Mas nem corais, nem polvos, nem quimeras
Sobem à tona das marés...
O navio encalhado e as suas eras
Lá permanecem a milhentos pés.

Soterrados em verde, negro e vago,
Nenhum sol os aquece.
Habitantes do lago
Do esquecimento, só a sombra os tece...

Ela és tu, anónimo oceano,
Coração ciumento e namorado!
Ela que és tu, arfar viril e plano,
Largo como um abraço descuidado!

Tu, mar fechado, aberto e descoberto
Com bússolas e gritos de gajeiro!
Tu, mar salgado, lírico, coberto
De lágrimas, iodo e nevoeiro!

Miguel Torga

sábado, 2 de abril de 2011

A Visita

Foto de Cata-Vento ( Senhora da Rocha / Armação de Pêra)



Fui ver o mar.

Homem de pólo a pólo, vou

De vez em quando olhá-lo, enraizar

Em água este Marão que sou.


Da penedia triste

Pus-me o olhar aquele fundo

Dentro do qual existe

O coração do mundo.


E vi, horas a fio,

A sua angústia ser

Uma espécie de rio

Que não sabe correr



Miguel Torga