domingo, 23 de novembro de 2008

A amizade virtual



«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta,que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!


Alexandre O'Neill,



Muitas são as vezes em que dou comigo a questionar-me sobre a amizade virtual. Será que existem dois tipos de amizade? Não é ela um sentimento único como sempre me ensinaram? Não vai nascendo, crescendo e consolidando com as palavras que aqui trocamos durante meses, anos a fio? Será o computador um criador de amizades inconsistentes que se fazem e desfazem sem deixar sequelas? Não o creio nem o sinto. Eu conheço algumas das pessoas que me comentam. Por fotografia, pela voz, por fotografia e voz, pelas palavras que escrevem ( nós também somos o que escrevemos) mas não será isso suficiente para que um conhecimento aqui nascido se transforme, com o tempo, numa sólida amizade?
Aqui partilhamos alegrias, tristezas, confidências, enfim, o nosso quotidiano. Que outro nome podemos dar a esta partilha constante que não o de amizade?
Eu acredito nos sentimentos que aqui se vão gerando. Eu tenho saudades dos que foram deixando a blogosfera, dos que não se despediram, não deixaram endereço. Compreendo, no entanto, que nem sempre o tempo nos permite escrever as palavras que desejaríamos mas não compreendo a ausência definitiva sem que que uma troca de palavras com acinte tivesse existido,um pedido explícito para não comentar ou excluir o link da lista que exibimos no blog. Eu alegro-me com os comentários que me vão deixando, eu sinto que há algo que me une a quem por aqui passa, a uns mais do que a outros,naturalmente, mas preocupo-me com a seu estado de saúde, com a sua ausência, com o seu mutismo.
Continuo sem perceber por que razão estas amizades virtuais não têm a credibilidade das outras, as que mantemos com aqueles que cresceram connosco, que estão à nossa beira e com quem, de olhos nos olhos, partilhamos os diferentes estados de alma.
Este mundo, a blogosfera, é, cada vez mais, uma parte de mim, de nós, assim o sinto, e aqui estou disponível, agora quase recuperada, para os meus amigos. Para quem vier por bem.
Em nome da amizade que aqui vou construindo, e muito especialmente àqueles que desde a primeira hora, por mail, por telefone,no blog me deram a mão deixo um beijo, a minha amizade e o meu bem-hajam!

domingo, 16 de novembro de 2008

Dar de Vaia

da net
Nem uma nuvem macula o céu da minha aldeia serrana. Rodeada de verde, de pardalitos laboriosos que debicam aqui e ali, ouvindo os espanta-espíritos dependurados no beiral do alpendre, tocados por uma leve brisa, apeteceu-me dar-vos de vaia. Deambulando entre o mar e a serra, tento arranjar o antigo vigor que me caracterizava. Se por um lado me tenho sentido sem vontade de escrever por outro é importante aproveitar estes momentos que vêm contrariar a abulia dos últimos meses. Por isso aqui estou. E muitos têm sido os amigos que por mail, através de comentários e telefonemas me têm feito sentir que este lado virtual, distante, não é tanto assim.Existe, é verdadeiro,há quem esteja atento aos sinais de alarme. Bem-hajam aqueles que me fizeram chegar as suas palavras de conforto e amizade.
Apetecia-me ficar aqui à conversa, contar-vos como têm sido os últimos meses mas não é para isso que aqui estou. E quero falar-vos de outras coisas a curto prazo. A memória elefantina que possuo ( sou,nesse aspecto, uma privilegiada) permitir-me-ia ficar a escrever horas a fio dos costumes deste sítio serrano onde me abrigo ao fim-de-semana mas,neste momento, o talento também se escoou.Se alguma vez o tive! Há uns anos, gozava o silêncio do campo, punha as leituras em dia, dormitava,dava um passeio pelas veredas e carreiros que me levavam ao Ribeiro da Serra, à Fonte Férrea, ao Moinho de Vento e no regresso tinha um almoço ou um jantar daqueles que nos fazem crescer água na boca.
Agora vou ficando por aqui, faço uma pequena jardinagem porque há quem faça a maior, olho a azinheira centenária plantada pelo bisavô e, de repente, lembro-me que a minha mãe faria anos hoje. Cresci debaixo de uma das suas asas. A outra abrigava toda a família. Uma verdadeira matriarca! Ainda não me recompus da sua perda. Não me recomporei mas a saudade vai atenuando com a chegada dos netos. A primeira, a única por enquanto, é a menina dos meus olhos. Os dela têm a cor da serra e do mar e aposto convosco que há-de gostar tanto das gentes serranas quanto gostam os avós e o pai. Quanto gostaram os seus ascendentes. Gente de boa cepa, rija como a terra o exige, que prefere quebrar a torcer.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Obrigada, Elvira! Bem-hajas, Amiga!


Lua Adversa


"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."


Cecília Meirelles



A minha amiga Elvira Carvalho, do blog Sexta-Feira, deu-me a conhecer este poema de Cecília Meirelles, deixando-o no blog Alfazema. Porque ela sabe que eu gosto de poesia, a Elvira é uma presença quase diária na minha vida, e tem prazer em fazer felizes aqueles que com ela convivem é um privilégio ser sua amiga e é com muito gosto que aqui o publico.Gostei muito de o ter lido.

Bem-hajas, Elvira.


terça-feira, 11 de novembro de 2008

1896, Guerra Junqueiro, em " A Pátria"



"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. ( ...) Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

domingo, 9 de novembro de 2008

E por vezes as noites duram meses...


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes, por vezes, ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.


David Mourão-Ferreira

sábado, 8 de novembro de 2008

Da Serra ... com amizade...e alguma melancolia.

Não sei que lugarejo serrano é este mas sei que estou entre as minhas gentes. Depois de um dos muitos almoços no norte algarvio, ali quase na fronteira com o Alentejo, que tanto amo também, de retorno ao Canto do Melro, parei entre Montes Novos e Barranco do Velho, e tirei esta fotografia. Não está muito nítida mas gosto dela pelo que de agradável lhe anda associado. Dias de passeio em família, por entre montes e vales, ar puro com um aroma a eucalipto, pinheiro e rosmaninho,recordações de outros tempos em que os avós aqui vinham , por esta altura, apanhar azeitonas e aproveitavam para levar uns braçados de estevas para o lume, as longas noites ao borralho a ouvir o avô a ler a Cartilha Maternal de João de Deus, as adivinhas, algumas anedotas, poucas, e a leitura individual, neto a neto, aplaudida ou criticada com a doçura do avô.
Aqui ao lado, espreitam-me a escrita. Lá está ela de volta ao tema, agora fonte inesgotável de palavras. Que obsessão! Escreve isso, se é o que te apetece, mas, depois, não andes a lamuriar que não te lêem, não te deixam palavras de afecto, não tens os amigos que tinhas na blogosfera. Mas eu nunca disse isso! Fico pasmada com o que ouço mas já não estranho. É o costume!
Tu não vês que um blog não é para carpir tristezas todos os dias? Eu sei. Desculpem-me! Talvez seja a última vez que faço um post assim. Sei que tenho um grupo de amigos, daqueles que, apesar da distância, aqui têm estado de pé firme e não merecem, de todo, que eu os atormente com as minhas maleitas da alma que também afectam o corpo, este que tanto gosta de ser prestativo, bom ouvinte. Estou diferente. Pois estou! É uma verdade e até sei enumerar todas as situações que aqui me encurralaram. Espero que este beco tenha saída. Se eu mereço não sei mas não duvido, nem por um minuto, que a família e os meus amigos não merecem perder o tempo que este post leva a ser lido.
Bem-hajam!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Viagem


Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmentida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga