quinta-feira, 30 de outubro de 2008

As Palavras


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.


Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.


Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.


E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.


Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A Propósito de Estrelas



Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas

Adília Lopes


Biografia



Adília Lopes, poetisa, cronista e tradutora, é o pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nascida em Lisboa a 20 de Abril de 1960. Tem vivido sempre nesta cidade e na mesma casa, habitada pela família da mãe desde 1916.
Concorreu em 1983 a um Prémio de Prosa da APE, para o qual um amigo lhe sugeriu o pseudónimo por que ficou conhecida, e enviou poemas para a editora Assírio & Alvim, que remeteu dois deles para o seu Anuário de Poetas não Publicados de 1984. Licenciou-se na Faculdade de Letras de Lisboa e publicou o seu primeiro livro de poemas em edição de autor, "Um jogo bastante perigoso" em 1985. O primeiro poema do livro evoca Esther Greenwood, a narradora de "Câmpanula de Vidro", um romance autobiográfico onde a poetisa norte-americana, Sylvia Plath, reflectiu a depressão profunda que a afectou.
Ao longo do curso, Adília Lopes publicou outros quatro livros de poesia, entre os quais "O Poeta de Pondichéry" em 1986 – a sua obra mais traduzida, baseada numa enigmática personagem de "Jacques le Fataliste", romance de Diderot e "O Decote da Dama de Espadas " em 1988, compilação de poemas redigidos entre 1983 e 1987, louvado por vários críticos.
Não escreveu no período de 1987 a 1991 e, de certa forma, inicia nesse ano um novo ciclo, novamente em edição de autor, com "Os 5 Livros de Versos Salvaram o Tio", 250 exemplares para distribuição gratuita. Recusado por seis editoras, tem na capa, simbolicamente, a data do primeiro livro - 1985.
Entre 1992 e 1997, publicou cinco livros de poesia e especializou-se em Ciências Documentais, em 1995, na Faculdade de Letras de Lisboa. Trabalhou nos espólios de Fernando Pessoa, Vitorino Nemésio e José Blanc de Portugal.
Em 2000 , foi publicado "Obra", reunião dos quinze livros de poesia de Adília Lopes, com ilustrações de Paula Rego. A pintora, surpreendida, havia encontrado nos poemas um impressionante paralelo com o seu próprio imaginário. Em resposta à cortesia, Adília traduziu para português Nursery Rhymes (Rimas de Berço), um álbum de gravuras de Paula Rego baseadas nas clássicas rimas infantis inglesas.
As principais influências literárias assumidas por Adília Lopes são Sophia de Mello Breyner Andresen e Ruy Belo, mas também a Condessa de Ségur, Emily Brönte, Enid Blyton, Roland Barthes ou Nuno Bragança.


( Extraído da net)

Miró
Ao centro, pintura de Paula Rego


Tenham um Boa Semana.

Beijos





domingo, 26 de outubro de 2008

Diospiros


Não gosto de diospiros, ou melhor, não gostava. Até ontem! Há poucos anos, talvez uns três ou quatro, tentei comer um diospiro, pela vigésima ou trigésima vez. Até vomitei o dito depois de ter insistido em comê-lo inteirinho. Nunca gostei da sua textura, demasiado mole, nem do seu sabor , quanto a mim, enjoativo. Até ontem!
A meio da tarde, a campainha soou. Eu estava nesta mesma sala, no mesmo canto onde agora vos escrevo. Levantei-me e fui ao portão. A uns trinta metros de distância. Uma vizinha, que teima em preservar , e bem, os costumes das gentes antigas vinha com um balaio cheiinho deles. De diospiros. Diferentes daqueles que costumo ver nos mercados. Mais maneirinhos mas nem por isso menos vermelhinhos. Agradeci-lhe com um sorriso largo, uns beijinhos, estive um pouco à conversa, ali mesmo ao portão. Não podia entrar, que tinha pressa, que tinha o carro mal estacionado. E assim partiu acrescentando: " No próximo fim -de-semana, trago uma tigela de marmelada. Acabadinha de fazer". É uma doce amiga! Lembra-se de mim ainda antes de eu ter nascido. Já cá há poucas!
Do portão até à porta da cozinha, que havia deixado entreaberta, encontrei os cães que nunca me deixam e dei-lhes um do frutos, partido em dois ainda que não equitativamente. E mais uma vez tentei saborear o dito , antevendo já um resultado pouco agradável. Mas, desta vez, pasmei. A experiência estava a ser diferente. A textura era a mesma, o sabor , esse, menos adocicado e não me deixou uma sensação estranha na boca, um arrepio, uma vontade de o rejeitar.
Hoje, ao pequeno-almoço, além do iogurte, dos cereais, da fatia de melão, e mesmo antes do café, já foram dois diospiros.
E que temos nós a ver com isso, dirão os que me lêem. Tendes razão mas apeteceu-me partilhar isto convosco. Desculpem a trivialidade.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Bom Fim de Semana!

Do Google
A todos que por aqui têm passado, agradeço as palavras perpassadas de carinho, de amizade, de simpatia...
Têm sido muito importantes para mim.
Bem-hajam!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Tenham uma boa semana!



Mar sonoro

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.


Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 18 de outubro de 2008

sábado, 11 de outubro de 2008

Da Influência da Lua



Outono.
O sol, qual brigue em chamas, morre
Nos longes de água.... Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poesia escorre
E os bardos, a cismar, molham a pena!

Ao longe, os rios de águas prateadas
Por entre os verdes canaviais, esguios
São como estradas líquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!

Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos
O xaile pedem a quem vai passando...
E os seus leitos nupciais, os ninhos
As lavandiscas noivas piando, piando!

O orvalho cai do céu como unguento.
Abrem as bocas, aparando-os, os goivos;
E a laranjeira, aos repelões do vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.

E o orvalho cai...e a falta de água, rega
O vale sem fruto, a terra árida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe, prega
O seu sermão de lágrimas à lua!


A Lua! Ela não tarda aí, espera!
O mágico poder que ela possui
Sobre as sementes, sobre o oceano impera,
Sobre as mulheres grávidas influi...


Ai os meus nervos, quando a lua é cheia!
Da arte novas concepções descubro
Todo me aflijo, lá fazem ideia...
Ai a ascensão da Lua em Outubro!

Tardes de Outubro! Ó tardes de novena

Outono! Mês de Maio, na Lareira! Tardes.....
Lá vem a Lua, gratiae plena
Do convento dos céus, a eterna freira!


António Nobre

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

«A Ti Regresso, Mar...»


A ti regresso, mar, ao gosto forte
Do sal que o vento traz à minha boca,
À tua claridade, a esta sorte
Que me foi dada de esquecer a morte
Sabendo embora como a vida é pouca.

A ti regresso, mar, corpo deitado,
Ao teu poder de paz e tempestade,
Ao teu clamor de deus acorrentado,
De terra feminina rodeado,
Prisioneiro da própria liberdade.

A ti regresso, mar, como quem sabe
Dessa tua lição tirar proveito.
E antes que esta vida se me acabe,
De toda a água que na terra cabe
Em vontade tornada, armado o peito.

José Saramago

domingo, 5 de outubro de 2008

A Cultura ficou Mais Pobre! E todos nós também!

Imagem retirada deste blog http://movimentum-blogando.blogspot.com/ numa homenagem a Che Guevara


RE-partindo

Sei que contigo vão partir
memórias de um tempo partilhado,
dias breves que hoje são passado
e podiam no entanto ser porvir.

Sei que levas na bagagem a lembrança
dos olhos nimbados de tristeza
mas também o brilho da bonança
que alimenta a tua natureza.


Mas se partes, apenas uma parte
vai contigo rasgando o mar e o vento:
que outra parte de ti já se reparte
na minha memória e pensamento.


24 de Agosto de 2008


FERNANDO PEIXOTO


Teatro da Solidão


É difícil estar só, com tanta gente
Que ao nosso lado aumenta a solidão!
Saber que estar só é ser diferente,
É ser apenas um na multidão!


É difícil sentir que, de repente,
Somos menos que um átomo: um neutrão,
Um fogacho de luz, um comburente
Do cosmos gigantesco em combustão.


Difícil é saber qual o papel
Que vamos na Vida interpretar
Na plateia que iremos enfrentar.
Buscamos no outro a sua pele,


Assumimos de um outro a dimensão
Pra ser o que não somos: Ilusão!


Setembro – Funchal 2006


FERNANDO PEIXOTO


Memóriade de Um Soldado que Veio da Guerra


Regressei à minha terra
vindo de Alcácer-Kibir.
Trouxe a memória da guerra
nesta forma de sentir
a morte por todo o lado
uivando como um coiote.


Trago a memória da morte
no sonho despedaçado.
Trouxe a memória dos gritos
dos corpos semi-desfeitos,
trago a memória dos mitos
de orgulhos e preconceitos.

Trouxe nos olhos poentes
e horizontes esfumados
dos jovens ludibriados
por mentiras indecentes.


Trouxe comigo a derrota,
a mentira, a cobardia
e a miséria que suporta
um resquício de agonia.


Trouxe a mágoa reflectida
no rosto de uma mulher
que já não sabe o que quer:
— se quer a morte ou a vida.


Trago a saudade no peito,
trago uma esperança adiada,
trago esta forma sem jeito
de saudar a madrugada
no filho que irá nascer
e nos teus braços dormir,
no cravo que hás-de parir
quando a Paz reverdecer.


Não veio comigo o Rei.
Em Alcácer nunca o vi
e no tempo em que lutei
nunca ao meu lado o senti.


Estava longe, parece,
longe de mim, da Verdade.
Longe de mim, na Cidade
o Rei jaz morto e apodrece.


Vendo bem, não trouxe nada
do muito que então levei.
Trouxe a memória pesada
da vergonha que encontrei
e que regressa comigo:
— o povo que conheci
e contra o qual me bati
não era um povo inimigo!


FERNANDO PEIXOTO




Fernando Peixoto, Mestre em História Moderna e Doutorado em História Contemporânea, dedicou a sua vida à História , ao Teatro e às Minorias Religiosas. Investigador da Fundação da Ciência e Tecnologia e do Gabinete de Estudos de História da Vitivinicultura Duriense (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), acabou recentemente o seu doutoramento. Dramaturgo e encenador, leccionava História do Teatro na Escola Superior Artística do Porto e na Escola Superior de Educação do Porto. Tem várias obras publicadas nos domínios da História e do Teatro, além de uma vasta colaboração em revistas científicas portuguesas e estrangeiras, abarcando áreas diversas das Ciências Humanas.



Até Sempre, Fernando!



sábado, 4 de outubro de 2008

O teu presente para a Maria!


Se o dia me vai cansando
e me retira a bonança
eu renovo-me escutando
o riso de uma criança:
é melodia afastando
as nuvens da tempestade.
E um novo sol vai brilhando
num céu de felicidade!


Fernando Peixoto












Fernando Peixoto deixou-nos ontem. A Cultura Portuguesa ficou mais


pobre.



Obrigada, amigo! Até breve!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Quando



Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta

Continuará o jardim, o céu e o mar,

E como hoje igualmente hão-de bailar

As quatro estações à minha porta.




Outros em Abril passarão no pomar

Em que eu tantas vezes passei,

Haverá longos poentes sobre o mar,

Outros amarão as coisas que eu amei.




Será o mesmo brilho a mesma festa,

Será o mesmo jardim à minha porta.

E os cabelos doirados da floresta,

Como se eu não estivesse morta.




Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Amor Amado



Assim como os poentes
São rubros e as rosas,
Tão vivo é o meu amor por ti.
Com essa força atravesso
Todas as tempestades
E descubro em cada momento
A fonte da alegria.
No silêncio repito
O teu nome como um bálsamo
E sei que tu o meu repetes
como um apelo.
E o apelo não é vão
Pois com ele me dás as estradas
E os atalhos para chegar a ti.
Ao teu encontro vou
Com as rosas de Maio
Com as cerejas de Junho
Com as uvas de Setembro
E cada mês me dá para te levar
a sua novidade
Pois o amor faz novas todas as coisas.
Quando te não vejo vejo-te em todo o lado
E oiço-te em todas as vozes
Tu que és a única voz.
Em ti me refaço e me transformo
E fluo para ti como um grande rio
Na certeza de ti, que és o meu (a)mar.

Maria Teresa Dias Furtado