domingo, 5 de outubro de 2008

A Cultura ficou Mais Pobre! E todos nós também!

Imagem retirada deste blog http://movimentum-blogando.blogspot.com/ numa homenagem a Che Guevara


RE-partindo

Sei que contigo vão partir
memórias de um tempo partilhado,
dias breves que hoje são passado
e podiam no entanto ser porvir.

Sei que levas na bagagem a lembrança
dos olhos nimbados de tristeza
mas também o brilho da bonança
que alimenta a tua natureza.


Mas se partes, apenas uma parte
vai contigo rasgando o mar e o vento:
que outra parte de ti já se reparte
na minha memória e pensamento.


24 de Agosto de 2008


FERNANDO PEIXOTO


Teatro da Solidão


É difícil estar só, com tanta gente
Que ao nosso lado aumenta a solidão!
Saber que estar só é ser diferente,
É ser apenas um na multidão!


É difícil sentir que, de repente,
Somos menos que um átomo: um neutrão,
Um fogacho de luz, um comburente
Do cosmos gigantesco em combustão.


Difícil é saber qual o papel
Que vamos na Vida interpretar
Na plateia que iremos enfrentar.
Buscamos no outro a sua pele,


Assumimos de um outro a dimensão
Pra ser o que não somos: Ilusão!


Setembro – Funchal 2006


FERNANDO PEIXOTO


Memóriade de Um Soldado que Veio da Guerra


Regressei à minha terra
vindo de Alcácer-Kibir.
Trouxe a memória da guerra
nesta forma de sentir
a morte por todo o lado
uivando como um coiote.


Trago a memória da morte
no sonho despedaçado.
Trouxe a memória dos gritos
dos corpos semi-desfeitos,
trago a memória dos mitos
de orgulhos e preconceitos.

Trouxe nos olhos poentes
e horizontes esfumados
dos jovens ludibriados
por mentiras indecentes.


Trouxe comigo a derrota,
a mentira, a cobardia
e a miséria que suporta
um resquício de agonia.


Trouxe a mágoa reflectida
no rosto de uma mulher
que já não sabe o que quer:
— se quer a morte ou a vida.


Trago a saudade no peito,
trago uma esperança adiada,
trago esta forma sem jeito
de saudar a madrugada
no filho que irá nascer
e nos teus braços dormir,
no cravo que hás-de parir
quando a Paz reverdecer.


Não veio comigo o Rei.
Em Alcácer nunca o vi
e no tempo em que lutei
nunca ao meu lado o senti.


Estava longe, parece,
longe de mim, da Verdade.
Longe de mim, na Cidade
o Rei jaz morto e apodrece.


Vendo bem, não trouxe nada
do muito que então levei.
Trouxe a memória pesada
da vergonha que encontrei
e que regressa comigo:
— o povo que conheci
e contra o qual me bati
não era um povo inimigo!


FERNANDO PEIXOTO




Fernando Peixoto, Mestre em História Moderna e Doutorado em História Contemporânea, dedicou a sua vida à História , ao Teatro e às Minorias Religiosas. Investigador da Fundação da Ciência e Tecnologia e do Gabinete de Estudos de História da Vitivinicultura Duriense (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), acabou recentemente o seu doutoramento. Dramaturgo e encenador, leccionava História do Teatro na Escola Superior Artística do Porto e na Escola Superior de Educação do Porto. Tem várias obras publicadas nos domínios da História e do Teatro, além de uma vasta colaboração em revistas científicas portuguesas e estrangeiras, abarcando áreas diversas das Ciências Humanas.



Até Sempre, Fernando!



39 comentários:

Branca disse...

Querida amiga,

Para além do que já te disse no post anterior e em muitos outros de outros amigos comuns só tenho a acrescentar que me comoveu de novo esta homenagem tão completa que aqui prestas a este nosso amigo.
E a sua poesia que é sempre de uma profundidade imensa, toca-nos bem na alma sempre que a lemos. É o sentir marcante de um Homem que passou pela vida transmitindo como ninguém sentimentos e experiências e que marcou todos os que se cruzaram consigo.
Bem hajas.
Beijos para ti.

Fernando, onde quer que esteja, estaremos sempre consigo.

João Roque disse...

Minha amiga
perdoa-me a falha grande de não conhecer a obra de Fernando Peixoto, a não ser agora aqui e por motivo tão forte como triste; preferiria, nas circunstâncias, continuar a ignorá-la, pese embora a imensa falha do desconhecimento dos seue versos, que vejo, pela sua leitura, serem notáveis.
Mais que tudo, vejo a tua amargura, pois além de se ter perdido um poeta, perdeste um amigo, e isso dói sempre muito...
Estou solidário contigo e com tantos outros que já li, comungam da mesma dor.
Beijinho.

jo ra tone disse...

Um grande homem da cultura.
Partiu, mas deixou um belo trabalho,(obra feita), como pude verificar através destes exemplares.
Sei que será difícil a sua ausência para todos aqueles que com ele conviveram, mas supostamente dificilmente o esquecerão.
Isabel, um grande homenagem apresentas ao teu amigo, amigo de todos nós .
Beijinhos
Bom domingo

amigona avó e a neta princesa disse...

Bonita homenagem, amiga...é como se diz, apenas uma parte vai embora, a saudade e a obra do fernando faão com que viv na nossa memória...
Vai começar uma semana muito difícil para mim e família...5ª feira (9)vamos todos acompanhar a Catarina e a mãe...voltámos à angústia, ao sofrimento...sem entendermos muito bem porquê...saudades minha querida...tudo isto me tem feito andar muito nervosa e sem tempo de visitar os meus amigos...beijos querida...sei que estás connosco...

Agulheta disse...

Querida amiga.Pois uma gripe me faz andar pouco por aqui,mas sabes que venho e podes contar comigo. Bela homenagem ao Homem ao amigo e sobretudo ao poeta,não conhecia seus poemas nem obra,gostei da partilha para com nós e obrigada,passa no mar_de_chamas e colhe o que tens para ti.
Beijinho e tudo de bom

Branca disse...

Olá Isabel,

Vou mandar-te por mail uma fotografia mais recente do Fernando Peixoto, que me lembrei agora que existia no Movimentum, da uma noite de poesia em Outubro. Substituí esta no meu sítio e tens lá o link para a outra, é como o recordo,com as barbichas que usava hoje e com este visual sempre sorridente, mesmo que por vezes de homem maduro e sofrido.
De novo volto aqui, por estes dias é o Fernando que nos une e em nome dele sempre estaremos unidas pela poesia e pela amizade na blogosfera.
Até breve.
Beijinhos.
Branca

Elvira Carvalho disse...

Uma bela homenagemn ao seu amigo.
Homenageando-os com as próprias palavras que ele escreveu, e que são uma herança para todos nós.
Não sei lidar muito bem com a morte. Nunca soube. Fico sem palavras.
Deixo-lhe um abraço de solidariedade.

lagartinha disse...

Bonita homenagem.
Um abraço e um beijinho.

Papoila disse...

Uma bela homenagem ao teu amigo, ao homem de cultura e ao poeta.
Um Abraço e Beijos

o escriba disse...

Isabel

Amiga, acredita que o sorriso deste teu amigo que partiu é por teres escolhido estes poemas saídos do seu coração.
Bonita homenagem.

bjinhos
Esperança

Poemas de amor e dor disse...

O dia 3 de Outubro foi um triste dia para a cultura portuguesa – Faleceu um enorme poeta. Fernando Peixoto nasceu no dia 23 de Julho de 1947, tinha 61 anos.
Para a família enlutada os meus sentidos pesamos, nesta merecida homenagem.
Quando morre um poeta a tristeza invade-me pois Fernando Peixoto muito teria ainda para nos dar.
Deixo aqui uma mensagem recebida do Brasil, através da poetisa Carmo Vasconcelos, da autoria do poeta Eugénio de Sá. Vejam como ele era tão considerado no Brasil:


Um último abraço a Fernando Peixoto, grande poeta português

De Eugénio de Sá


Foste um ilustre homem de letras, Fernando.
E mostraste ser também… um bom amigo.
Era evidente, em ti, o orgulho de ser português,
temperado por um sólido sentimento solidário
pelo teu semelhante.
Nas tuas veias, de par com uma grande
e comovente paixão pelo teu Porto,
corria deslumbrante, profunda, a tua poesia.
Conheci-te numa noite chuvosa de Dezembro,
na tua bela cidade.
Cochichamos coisas… do passado.
Falaste-me, com mágoa,
das tuas frustradas expectativas de Abril,
dos cravos vermelhos que murcharam
nas bocas enferrujadas das espingardas,
do socialismo, que foi parar a alguma qualquer
gaveta de S. Bento, ou, quem sabe (?),
do colégio Moderno…
Falaste-me dos teus encantamentos
pelo teatro, pela literatura, pela poesia….
Falaste-me dos teus amigos,
das tertúlias, dos passeios noturnos
pela Ribeira do teu Porto,
do cimbalino, tomado à tarde,
entre a dourada decoração “belle époque”
do Majestic.
Falaste-me dos teus projectos,
falaste-me, numa palavra; da tua alegria de viver.
Mas também mostraste que sabias ouvir!
- E ouviste-me contar de tantas coisas
do nosso Portugal…
- Memórias vivas, que também
te haviam marcado e emocionado.
Ouviste-me, interessado, aquele desfiar de vida,
interrompendo-me aqui e ali, entusiasmado,
confirmando afirmações, lembrando pormenores…
Depois desse dia,
em que nos despedimos, confessando-nos já
a nostalgia de um próximo encontro,
senti que ficáramos amigos.

Partiste, precocemente, Fernando.
Deus assim o quis.
Que repouses em paz, Poeta,
homem de bem.


Eugénio de Sá

4 de Outubro de 2008
São José do Rio Preto, Brasil

gaivota disse...

sem nada a acrescentar, minha amiga, entendo a tua dor
a vida traz crueldades e as marcas deixadas serão eternas
a cultura ficou mais pobre
sentida homenagem
beijinhos, minha amiga

Jorge P. Guedes disse...

Uma bela homenagem a um amigo que partiu mais cedo.
Não o conheci, mas a o ler os seus poemas acho que bem gostaria de ter sido seu amigo também.

Que o tempo um dia nos una, a todos, lá na terra distante!

Um abraço para ti, amiga.
Jorge

mundo azul disse...

Que seja iluminado o seu novo caminho!



Beijos de luz e uma semana feliz!!!

Teresa Durães disse...

Linda homenagem

Graça Pires disse...

Junto-me à tua sentida homenagem a Fernando Peixoto.
Um beijo para ti.

Agulheta disse...

Amiga Sophia.A morte é a outra parte da vida,aqui ficou uma amizade e algo que não esqueçe.
Agradeço a visita. Beijinho

Mariazita disse...

Isabel
Tenho visto em vários blogs homenagens a Fernando Peixoto que, infelizmnete, não conheci.
Os poemas aqui publicados mostram bem o grande Poeta que ele foi. Isso faz-me sentir ainda mais diminuída por não o ter conhecido.
Obrigada por, atrvés de ti, poder conhecer um pouco da sua obra.
Um abraço solidário e beijinhos
Mariazita

Branca disse...

Olá amiga,

Volto a esta homenagem. Ontem percorri vários sítios à procura de textos onde pudesse aprender mais sobre o Fernando Peixoto. Procurei também os seus e-mails que ainda tinha guardados e curiosamente o último é da mesma data em que recebeste o teu. Penso que o nosso amigo a partir daí não terá tido muita saúde para abrir o computador. Durante os 20 dias seguintes deixei aqui e ali discretamente duas ou três mensagens de força. No dia 15 de Setembro quando fui ao lançamento do livro de Maria Mamede e Albino Santos estava convencida que o ia encontrar, que a recuparação se estava a fazer bem, afinal enganei-me, ele não só não pôde estar presente, como partiu dezassete dias depois.
Deixo-te um link de um colega do nosso querido amigo, professor também da Escola Superior Artística do Porto e que nos deixa um texto muito pessoal e bonito, que diz bem da grandiosidade humana do Professor e amigo Fernando Peixoto.

http://jogodramatico.blogspot.com/

Beijinhos
Branca

De Amor e de Terra disse...

Minha querida Isabel, boa noite!
Obrigada pelas palavras que deixaste no meu Blog. Também eu fiquei encantada com a tua homenagem a este nosso Amigo.
Embora fisicamente mais pobres (nós e a cultura) é verdade, continuamos ricas/os (de acordo com o que creio) porque tenho a certeza que continuará por perto.
Beijos querida Amiga.
Maria Mamede

lagartinha disse...

Passei para largar aqui uma beijoca...verde, claro.

Nuno Meireles disse...

Cara Sophiamar obrigado pelo comentário; é uma pena muito grande - era um homem bom e isto é inconsolável. Um abraço. Nuno Meireles

ROSA E OLIVIER disse...

Lindo!...e para ti e o Fernando...

"love is the one who masters all things."

Mawlãnã rumi.

MPS disse...

Cara Sophiamar

Perder um amigo é dor intensa. Os amigos são sempre únicos, não importa quantos tenhamos ou quem seja cada um. Erguer os olhos para a vida é mantermos nela quem partiu.

Um abraço

Fernando Santos (Chana) disse...

Cara amiga, sentida homenagem...
Beijos

ASPÁSIA disse...

AMIGA!

NÃO CONHECI ESTE HOMEM E PROFESSOR QUE PARTIU, DEIXANDO-TE TANTAS SAUDADES. ACHO QUE COM RAZÃO, PELO QUE AQUI LI, DELE E ACERCA DELE.
ASSIM, PELO TEU POST, MESMO OS Q COMO EU NÃO OCONHECERAM, JÁ UM POUCO DELE FICAM A SABER... E A GOSTAR.

FICA UM BEIJINHO AMIGO SOLIDÁRIO COM A TUA DOR E PENA POR TER PARTIDO AINDA TÃO CEDO UM HOMEM/PROFESSOR TÃO BOM, SENSÍVEL E CULTO.

Filoxera disse...

É sempre triste, a partida.
E algumas deixam um vazio significativo. Neste caso, na cultura.
Foi uma bela homenagem, esta tua.
Beijinhos.

Branca disse...

Isabel,

Deixo-te outro link maravilhoso, que descobri num site brasileiro onde podes ver um poema lindo do Fernando Peixoto, comovente mesmo, que também fala de partida como este último que fez e que é de um talento ímpar como todos os que escreveu, feito em dueto com uma amiga brasileira, Soninha Valle.
Maravilhoso mesmo, não sei se já conheces.
Beijinho.
Branca

http://www.soninhavalle.adm.br/setiver/setiver.html

Ana disse...

Ficando mais pobres, guardem-se as palavras e as memórias.
Bonita homenagem a que fazes, Isabel.
Um beijo.

amigona avó e a neta princesa disse...

Hoje vim buscar o teu abraço de amizade...beijos...

Menina Marota disse...

Sem palavras para conseguir demonstrar o grande apreço, afecto, respeito e admiração que sempre senti, ao longo dos anos, por Fernando Peixoto, como político, poeta, como Homem de grande cultura e pessoa de uma generosidade extrema, é com um pesar enorme que sinto a sua falta.

Um abraço solidário nesta hora em que todos nós sentimos a sua falta.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Sophiamar
Foi, sem dúvida, uma grande perda mas nós nunca ficamos mais pobres enquanto houver espaço em nós para a memória. Uma memória que se propaga por gerações, que deixa obras e ensinamentos.

Beijos Sophia/Isabel (estás bem amiga?)

Maria Clarinda disse...

Um beijo...até onde estiveres ,Fernando.
Linda a tua homenagem ao Fernando. Um beijo

Anónimo disse...

No meio de tantas, sentidas e merecidas homenagens, serão insignificantes as minhas palavras.
Prefiro recordar e nunca dizer adeus. Ricos estarão (e continuarão) todos aqueles que partilharam momentos agradáveis.

Tudo de bom.

Alexandre disse...

Que poemas fantásticos, não conhecia Fernando Peixoto, tenho pena de ter chegado «tarde»... A cultura ficou mesmo mais pobre!!!

Muitos beijinhos!!!

Huckleberry Friend disse...

Deixa saudades este Dennis McShade. Nem de propósito, vão ser reeditados os três policiais que Dinis Machado publicou sob pseudónimo.

Sophiamar, deixo-te um beijinho e um convite para o primeiro aniversário do codornizes!

Luis Eme disse...

não conhecia...

o meu aplauso pela homenagem a um excelente poeta (e concerteza, professor).

abraço Sophiamar

Parapeito disse...

...verdade que a cultura ficou mais pobre...
e todos aqueles que o conheciam...e estimavam...O céu ganhou mais um bonita estrela..e depois " só morre " quem é esquecido...

******

dj duck disse...

A Liberdade está de luto!